sábado, 9 de abril de 2011

Educação e capitalismo: contradições e determinações da educação numa sociedade dividida em classes

Texto publicado no boletim Avante! nº IV da Rede Estudantil Classista e Combativa

A educação deve ser entendida, em nossa sociedade, como uma atividade determinada pelas relações capitalistas nas quais nos inserimos, relações essas situadas dentro da lógica da luta de classes. O sistema de ensino, as políticas educacionais e as funções das escolas e universidades acompanham as necessidades de acumulação de capital e refletem as especificidades do capitalismo local, da divisão internacional e social do trabalho e da conjuntura política. Sendo assim, para compreendermos a educação e para qual classe está servindo, devemos nos perguntar como esta se encaixa no modelo capitalista no qual vivemos.

A educação, exercida através do Estado capitalista e das grandes empresas do setor educacional, é uma educação classista: provindo das classes dominantes, ela nunca será igual para todos, até porque as condições de vida dos trabalhadores e dos burgueses são opostas. Existindo uma relação dominação, há interesse de se perpetuar o ensino desigual. De maneira geral, a educação no capitalismo exerce uma função material (gerar mão-de-obra para o mercado de trabalho, desde os trabalhadores manuais até os grandes quadros do sistema) e ideológica (inculcar valores burgueses e legitimar as desigualdades de classe). Então, longe de ser a solução de todos os problemas, como proclamam os educacionistas e muitos reformistas, a educação no capitalismo não exclui as diferenças de classe, muito menos dá oportunidades iguais para todos, argumento máximo para aqueles que defendem a meritocracia materializada nos vestibulares e exames excludentes dos filhos do povo. Assim, educação dada para a classe trabalhadora é muito inferior à educação que os filhos de famílias ricas têm acesso, assim como a educação dos países da periferia difere dos países do centro.

Porém, apesar da educação, em última instância, no modelo capitalista de produção, servir às classes dominantes, material e ideologicamente, a classe trabalhadora não deve desistir de lutar por um ensino de melhor qualidade, pelo direito e acesso universal a todas os níveis de ensino, pelo saber científico etc. Sua função é de resistir ativamente às tentativas do Estado e dos empresários de precarizarem ainda mais a educação desigual que esta tem acesso e de resistir ao uso da educação a serviço da exploração/dominação e reprodução do capital, sendo esta uma luta por melhores condições de vida que se manifesta dentro da luta de classes. Mas essa luta só será consequente se estiver ligada a um projeto de classe e de sociedade onde seja possível uma nova e realmente igualitária educação, uma nova escola e universidade, que ultrapasse os limites impostos pela propriedade privada e a divisão entre o trabalho intelectual e manual. A educação tem um importante papel na luta de classes e pode ser um instrumento usado na luta econômica e política e na conscientização da classe. A luta pela educação assim, não deve ser estanque ou “a principal”, como querem os reformistas e utópicos, mas sim ligada a um projeto de classe e de sociedade onde seja possível uma nova e realmente igualitária educação, uma nova escola e universidade, que ultrapasse os limites impostos pela propriedade privada e a divisão entre o trabalho intelectual e manual. Como diz o pedagogo Gaudêncio Frigotto: “A luta fundamental capital-trabalho, que é primeiramente uma luta pela sobrevivência material, é também uma luta por outros interesses, dentre esses o acesso ao saber social elaborado e sistematizado”.

A educação em tempos de neoliberalismo

Atualmente, a educação oficial, através do ensino escolar obrigatório e supostamente “universal” cumpre importantes funções para o atual estágio do capitalismo no mundo todo. A propagandeada “democratização” do ensino nas últimas décadas por governos de vários países, dentre eles o Brasil, a partir de suas famigeradas reformas educacionais, se mostra um verdadeiro engodo na prática, pois, na realidade, é sinônimo de precarização para a maioria e vem apenas se adaptar à era neoliberal onde a educação é um campo de muito interesse para o capital. É perceptível que essa investida dos Estados na educação esconde os interesses das classes dominantes por trás, como a pesquisadora Maria Cecília M. de Moraes (2001) comenta [1]:

“Documentos de organismos multilaterais, como o Banco Mundial, UNESCO, CEPAL, de mercados regionais, como o MERCOSUL e a União Européia, ou os de governos nacionais, são unânimes em assegurar a centralidade da educação [...] nas atuais circunstâncias econômicas e políticas. Com mais ou menos transparência duas razões justificam tal centralidade. Em primeiro lugar, porque a educação, ela própria, tornou-se mercadoria mediante a introdução de mecanismos de mercado no financiamento e gerenciamento das práticas educacionais. Um produto a mais entre os muitos a serem consumidos. Em segundo, porque a ela é atribuída a função de formar a força de trabalho com as "competências" necessárias para atender ao mercado”.

Essas reformas, que seguem as cartilhas formuladas por esses organismos vêm no sentido de transformar a educação em um setor muito lucrativo, diluindo as barreiras entre o público e o privado e fazendo da educação, da pesquisa e produção de conhecimento e tecnologia, muito mais mercadorias do que direitos e retornáveis para a maioria do povo. Essa “inclusão” das massas populares se mostra uma forte exclusão dentro do próprio sistema escolar dito democrático, já que, fora as desigualdades existentes em seu seio, prepara as multidões que serão exploradas futuramente, ou que aumentarão as taxas de sub e desemprego, e que, já na própria escola ou universidade, através de estágios, empresas juniores, projetos e pesquisas etc. serve a interesses privados de empresas parasitas e patentiadoras.

As atuais diretrizes internacionais para a educação existem no sentido de desmontar a educação pública e de mínima qualidade presente no dito Estado de “Bem-estar” Social anterior ao modelo neoliberal, precarizando a educação que a classes trabalhadora tem acesso. Isso se torna nítido ao vermos as recomendações de verbas que o Estado deve destinar a sua educação. O BM estipula uma meta inferior a 5% do PIB (atual média brasileira) para países como o Brasil, indo de acordo com os países que compõem a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico)[2]. O imperativo do imperialismo ianque é que se deve cortar custos com a educação, principalmente dos salários dos trabalhadores da educação e do ensino superior, além disso tornar mais “eficiente” o gasto e o uso de instalações e equipamentos educacionais. Ou seja, para defender o capital e sua realização, a classe trabalhadora é atacada duplamente pelos governos que adotam tais medidas: perdendo a qualidade do ensino já ruim e desigual, que deve se tornar mais eficaz e enxuta e sem qualquer perspectiva autônoma do mercado; e também atacada diretamente no mundo do trabalho, com arrocho salarial, demissões, terceirização e contratos temporários/precarizados, método de bonificação/punição etc. para cumprir as metas de eficiência estabelecidas.

Em suma, o desejo do capital, que é atendido docilmente por governos de “esquerda” e de direita, é a diminuição dos gastos públicos com a educação; a redução de custos de todas as formas para alcance de “eficiência/eficácia”; a utilização de novos métodos de ensino de massa de baixo custo, como a EaD (educação a distância); um pragmatismo e produtivismo que se mostram na tecnificação e fragmentação do ensino e alterações curriculares; a abertura do campo educacional para as grandes empresas pela privatização e PPP’s (parcerias público-privada); e uma maior elitização do ensino de qualidade ao mesmo tempo em que crescem os novos escolões de formação de mão-de-obra barata e flexibilizada.

Resistência classista à ofensiva neoliberal!

As atuais reformas educacionais neoliberais que se aprofundam em vários países coadunam com os ataques à classe trabalhadora de período de crise, o que se reflete na resistência conjunta entre estudantes e trabalhadores em greves gerais, manifestações e união e solidariedade classista. As rebeliões e levantes estudantis na Argentina, Itália e Inglaterra, assim como nas rebeliões populares na Grécia, França, com forte peso estudantil secundarista e universitário, demonstram que aúnica forma de lutar contra a ofensiva neoliberal que se materializa na precarização e privatização do ensino aplicada pelos Estados e patrões é unir-se à classe trabalhadora do campo e da cidade, de maneira independente e combativa, opondo-se à fragmentação e desorganização, para frear os ataques do capital e buscar uma educação de qualidade para a maioria esmagadora do povo trabalhador, por uma educação que sirva ao povo, e não aos patrões.

Por isso uma posição classista do movimento estudantil é fundamental para a vitória conjunta! Sem ilusões nas vias eleitorais e parlamentares, nem nos partidos reformistas e nas burocracias sindicais/estudantis, mas sim na luta e organização direta do povo nas praças e nas ruas!


Por uma educação que sirva ao povo!

Que a classe trabalhadora tenha acesso à ciência e à técnica!

Fora as reformas neoliberais que ameaçam o direito à educação!


[1] Texto ‘Recuo da teoria: dilemas na pesquisa em educação’, publicado na Revista Portuguesa em Educação, vol. 14, n. 1. 2001. [2] “Brasil precisa gastar melhor com educação, diz Banco Mundial”, Amanda Cieglinski, da AGÊNCIA BRASIL no site exame.com 13 dez. 2010.

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