quinta-feira, 21 de abril de 2011

A necessidade do Movimento Estudantil Classista defender o livre acesso



Diante o período de refluxo das lutas estudantis e trabalhistas que vivemos, resultado da hegemonia reformista e governista nas centrais que coordenam as classes trabalhadoras e os estudantes, são poucos os movimentos e grupos que hoje levantam a bandeira do acesso livre ao ensino superior público. A Rede Estudantil Classista é uma das poucos grupos do ME que se declara constante e abertamente para os estudantes como defensora do livre acesso, e muitas vezes é mal-entendida e taxada de “radical”, “utópica” etc. O livre acesso, tão renegado pelos setores conservadores da sociedade, nada mais significa que o fim dos exames classificatórios como vestibular, Enem etc., com o objetivo final de universalizar o ensino superior público. É, assim, uma pauta democrática básica que todos os trabalhadores, estudantes, e suas organizações deveriam defender, já que a grande parte da população fica excluída desse nível educacional, havendo uma demanda cada vez mais crescente. A luta pela democratização do acesso/permanência no sistema de ensino é também uma luta por melhores condições de vida, juntamente com a luta por uma saúde pública e gratuita, por transporte eficiente etc, e não é recente nos movimentos sindicais e estudantis, assim como em grupos e partidos políticos de esquerda. A diferença é que uns oportunistas tentam “escondê-la” por fins eleitoreiros, diante da desmobilização e baixa consciência política dos estudantes e trabalhadores, e/ou por defenderem na atual conjuntura um projeto de expansão do ensino superior diferente; outros só defendem da boca para fora de vez em quando; outros já abandonaram completamente essa luta.

Esse texto pretende fazer alguns apontamentos que tentam esclarecer um pouco mais sobre o assunto, desmistificando alguns argumentos contrários ao acesso livre, assim como, mostrar a importância, a necessidade e a possibilidade dos setores classistas do ME e das classes trabalhadores defenderem essa pauta de luta histórica dos estudantes e trabalhadores do mundo afora.


Acabar com vestibular/enembular? Impossível: sempre foi assim, em todo lugar!”

Muitos estudantes compram e reproduzem essa argumento, não percebendo que são eles próprios os prejudicados. Até mesmo setores do Movimento Estudantil atualmente pregoam esse ideário.

Essa visão além de errônea politicamente para os estudantes, é ahistórica: não considera as diversas formas de acesso que já ocorreram em nosso país; e também não leva em consideração outros países que hoje possuem outras formas de acesso no ensino superior, como nossa vizinha Argentina.

Para combater esse argumento que eterniza essa vestibular/enembular que temos hoje (um exame classificatória em massa), é preciso olhar para o nosso passado, para outros lugares do mundo, e claro, vislumbrar uma possibilidade de mudança.

Em primeiro lugar, como já foi dito, nem sempre existiu vestibular, ou essa forma de exame que conhecemos. Essa forma está presente no Brasil há basicamente 40 anos, e passou e passa por mutações, em diversos locais do país. Então, não há sentido falar que modificar o vestibular é impossível, lunático. É exatamente isso que os governantes e empresários querem que nós pensemos.

Mas por que o vestibular foi criado? Um exame que tem como principal objetivo excluir estudantes de ter acesso ao ensino só existe onde há uma oferta de vagas que não supre a quantidade de estudantes que querem estudar. E isso só ocorre quando: 1) os investimentos em educação superior são baixos e 2) cada vez mais uma parte maior da população termina o ensino médio. A partir dessa necessidade o governo/instituição começa a formular seus discursos que legitimam essa forma de acesso excludente e arbitrária. Se o número de concorrentes é inferior à quantidade de vagas ofertadas, não há razão de exlusão, como acontecia nas primeira metade do sec XX, onde era irrisória a parte da população que concluía o ensino médio. E isso realmente ocorre hoje, só que no cada vez maior setor privado, tão grande que nem consegue preencher a maioria de suas vagas (sendo o oposto do ensino público superior, tão elitizado, não sem intenção, como veremos depois).

Mesmo havendo uma demanda maior que a oferta de vagas, há outras formas de se fazer um “funil”, como por exemplo um sorteio, avaliado por alguns estudiosos como uma forma mais democrática e que daria acesso a mais setores da população que as atuais provas onde só as escolas privadas tem vez. E esse sistema muitas vezes é usado em escolas públicas.

No Brasil, antes de 68, e das reformas universitárias do governo militar juntamente com o imperialismo ianque (MEC/USAID), a forma de entrar no ensino superior era um vestibular eliminatório que ocorria depois do estudantes concluírem o ensino médio. Como um exame para garantir seu curriculo do ensino médio e entrar no ensino superior público, ao ter uma pontuação mínima, você garantia sua vaga. Esse exame também poderia incluir entrevistas, avaliações seriadas etc. Mas havia os que passavam e ainda não podiam assumir sua vaga, eram os excedentes.

Nesse período o movimento estudantil era bastante forte e combativo, uma época em que a UNE deu as mãos com os trabalhadores para lutarem contra os ditadores e os capitalismo, à modelo dos estudantes de todo o mundo que dse levantavam para derrotar o imperialismo. Essa época de ousadia se fazia refletir também na luta pela democratização radical do ensino superior: além dos estudantes lutarem por uma educação que sirva aos trabalhadores e ao povo, e não ao mercado cedento e aos ditames norte-americano, também lutavam por mais vagas, e pelo fim do vestibular (sendo naquela época, o vestibular um exame dez vezes menos excludente das massas estudantis e trabalhadoras!). Lutavam por uma nova universidade, que servisse para uma nova sociedade, assim como os estudantes da américa latina, europa e china faziam à época."Negamos a universidade arcaica e a universidade modernizada segundo os moldes do imperialismo. Negamos uma universidade que forma arquitetos para construir residências de luxo e não as milhares de casas populares de que se necessita, médicos para o asfalto quando milhões de brasileiros morrem de gripe ou diarréia no interior e nos subúrbios operários, sociólogos para domesticar os trabalhadores e não para planejar o desenvolvimento (...). Não podemos precisar os detalhes mas uma coisa é certa: a Universidade deve servir ao desenvolvimento das forças produtivas e às necessidades da maioria trabalhadora do nosso povo. Não só deve ser aberta a todos como ainda os elementos por ela formados devem poder ser úteis à coletividade." (Revista da UNE de 1968).

O regime militar bloquea brutalmente os estudantes e trabalhadores de fazerem seu modelo de ensino superior, e aprofunda suas reformas, adotando o vestibular classificatório, se baseando em nota máxima para passar (se você era excedente, não havia vaga no momento, você está completamente excluído) e outras medidas importadas do modelo mercadológico ianque.

Em outros países de nosso continente, o povo conseguiu um sistema mais democrático de acesso ao ensino superior, através de modos diferentes de avaliação para a entrada na universidade pública. Argentina, Uruguai, Cuba e algumas universidades mexicanas possuem um sistema diferente de acesso e possibilita uma maior parte da população ter acesso ao ensino superior público.

O atual vestibular é relativamente novo na universidade brasileira. Foi uma das formas encontradas pelo governo de fazer um funil na demanda cada vez mais crescente. E historicamente o movimento estudantil foi contra essa maneira desigual de acesso. E assim a RECC o vê. Nossa pauta de luta é vagas para quem quer estudar, sendo a conclusão do ensino médio um passaporte que lhe garanta acesso e permanência no ensino superior público, gratuito e com qualidade. Não que essa pauta seja possível já, sendo assim “impossível” nas condições dadas (pouca verba, estrutura burocratizada das universidades, precarização do trabalho docente, um ensino médio público de péssima qualidade etc.), mas que é papel do ME exigir mais vagas, mais verbas etc. Principalmente o ME classista, já que as classes trabalhadores são as mais excluídas do vestibular. Ao mesmo tempo, não devemos entender essa luta como de longo prazo, a perder de vista, que só venha depois de uma “revolução” no ensino público brasileiro e por isso não deve ser exigida nesse momento. Achamos que é justo os estudantes exigirem vagas já, e garantir o direito de continuar seus estudos, assim como toda a ajuda que necessitarem para se formar (acompanhamento acadêmico, assistência etc.). E isso só se dá com muita luta, numa correlação de forças com o governo favorável a nós.

Cada vez mais o vestibular não avalia “o que se precisa para cursar o ensino superior”, como promete. Como veremos adiante, além de ser uma avaliação precária, que pouco diz sobre o desempenho acadêmico futuro do estudante, ela está cada vez mais arbitrária (visando dar acesso a uma nata de estudantes de escolas particulares). Cada vez mais é uma tosca maneira que o governo encontra de fazer um funil injusto e cobri-lo de legitimidade meritocrática.


Defender fim do vestibular é acabar com a qualidade da universidade pública, uma incorência para o ME, o vestibular é um bom meio de medir o mérito, é justo”

Partindo do princípio que o vestibular atual avalia quem pode entrar ou não, a partir da mensuração dos conhecimentos necessários, os defensores do vestibular o chamam de uma disputa democrática. Garante a excelência acadêmica pois, com muita eficiência escolhe os mais aptos. Será mesmo assim? Bem, de início, é só vermos a legião de estudantes excluídos de seus direitos e sonhos para vermos que de democrático não tem nada. Ainda mais sendo essa legião, em sua maioria, de uma classe específica, de uma cor específica etc. Uma avaliação que trata todos como iguais, sendo as desigualdades tão profundas, só pode “favorecer os já favorecidos e desfavorecer os desfavorecidos”, como denunciava Bourdieu.

Cada vez mais o vestibular não avalia “o que se precisa para cursar o ensino superior”, como promete. Além de ser uma avaliação precária, que pouco diz sobre o desempenho acadêmico futuro do estudante, ela está cada vez mais arbitrária (visando dar acesso a uma nata de estudantes de escolas particulares). Cada vez mais é uma tosca maneira que o governo encontra de fazer um funil injusto e cobri-lo de legitimidade meritocrática.

O vestibular é avaliação arbitrária que serve para garantir uma elite ao ensino superior privado e não é prova da qualificação dos mesmos. O conteúdo ali presente é o conteúdo que as classes altas e médias tem acesso, numa forma de avaliação que já estão treinadas a fazer, sendo esse conteúdo e essa forma sem relação direta com os conhecimentos necessários para cursar o ensino superior. Um estudante que não passa no tão sagrado vestibular não é por sua incapacidade pessoal, ou falta de esforço: o vestibular seleciona não os melhores estudantes, mas os estudantes da elite que tem uma instrução maior para passar por esse funil, sendo incapaz de avaliar todo o conhecimento e capacidade de aprendizagem e nem se preocupando com isso. Como diz Sarah Da Viá “O vestibular (seleção) exerce uma função ideológica ao fornecer justificativas tantoaos grupos de aprovados quanto aos de reprovados sobre o papel social destinado a cada grupo na divisão de trabalho existente na sociedade de classes. [...] A maior parte dos candidatos consegue a classificação após pelo menos uma experiência. Isto mostra também que é necessário, além do conhecimento das disciplinas, um conhecimento específico do ‘fazer’ o próprio exame vestibular.”

A questão é muito mais profunda: uma necessidade política e econômica de exclusão da maioria, e seleção de uma elite. Vários estudiosos questionam a “validade” desse modelo de prova cada vez mais primitivo e grosseiro e com questões cada vez mais aleatórias. Fica cada vez mais claro que só se trata de um funil, uma forma rápida e barata de o governo eliminar a maioria. É uma farsa defender que o vestibular garante uma educação de qualidade e alunos de alto desempenho. Muito pelo contrário: a hierarquização dos cursos pelo nível de argumento causa uma esquizofrenia nas universidades, não alocando os estudantes segundo seus desejos e talentos. Muitos estudantes fazem o curso que dá para passar, e não o que gostam ou tem talento, graças à hierarquização injusta dos cursos que ocorre segundo concorrência e argumento no vestibular. Faz com que existam cursos mais proletarizados, como as licenciaturas e humanidades, e outros mais de elite, já reproduzindo as divisões sociais do trabalho e seus prestígios.

Sendo assim pode-se criticar o vestibular pedagogicamente, afirmando que é uma forma de avaliação com muitas restrições, e criticar politicamente, explicitando a que ele favorece, o que justifica também a avaliação arbitrária.

O mais absurdo de tudo é ver como um exame seletivo tem tantos danos curriculares no ensino médio, e agora se ampliando no ensino fundamental. A lógica absurda e excludente do vestibular se reproduz nas escolas, que se tornam centros conteudistas e ranqueadores.

Não achamos que o livre acesso deva vir sem um acompanhamento pedagógico/avaliacional do estudante que esteja entrando no ensino superior. Mas somos contra se essas avaliações visam em primeiro lugar eliminar o máximo possível e não garantir a continuidade dos estudos, explicitando o seu corte de classe.


Estamos no capitalismo (regime de divisão social do trabalho), a universalização do ensino superior é impossível”

Sem dúvida a educação de modo geral serve às necessidades do capitalismo. Então, a quantidade de verbas, as prioridades governamentais, a vontade política do Estado, os currículos etc. obedecem às questões de classe e de divisão social do trabalho. Mas esse debate é mais complexo e não nos aprofundaremos aqui. O que gostaríamos de lembrar é que: as modificações no capitalismo até certo ponto é fruto de luta política e da correlação de forças entre as classes; e a existência do acesso livre em países capitalistas.

Temos claro da impossibilidade de total universalização devido às condições de vida da maioria dos trabalhadores, que os impossibilita até mesmo de terminar o ensino médio, e também temos noção que uma democratização radical não modifica essas condições de vida nem elimina as diferenças de classe. Então, sem dúvida, mesmo com acesso livre, ainda haverá as injustiças fora da universidade que repercutirá nela. O que pretendemos com a luta pelo acesso livre é a eliminação do funil arbitrário de classe que é o vestibular, que simbolizará um grande avanço para a entrada das massas excluídas no ensino superior público, contribuindo para a construção de uma universidade popular que sirva e abrigue o povo.


A universalização já está acontecendo, com Lula/Dilma, a partir do Reuni, Prouni, Enem etc.!”

Esse argumento defendido pelos reformistas da UNE/UBES é a maior falácia de todas. Sendo incapazes de enxergas as estatísticas e as análises de estudiosos, os governistas afirmam que a universalização está a caminho pelas reformas atuais dos governos do PT, sem perceber que todo o “aumento” de vagas significativo está ocorrendo nos últimos anos no setor privado (sendo esta uma política deste governo que visa encher os bolsos dos empresários da educação, seguindo os parâmetros dos órgãos imperialistas). Além do mais essa maior “democratização” se mostra como maior massificação e precarização do ensino: ensino que se está expandido não é o de qualidade, com pesquisa, assistência estudantil, mas sim um ensino precário, à distância e de massa para os cargos emergentes no mercado de trabalho.

O que o governo vem fazendo é sucatear o ensino público, e aumentar o ensino privado; sucateando e diminuindo as verbas para o ensino público, abre espaço para a gerência e financiamento pelo setor privado. Isso vai ao contrário da universalização do ensino superior público. Em vários documentos do ME/Movimento docente e da RECC se analisa as reformas neoliberais do governo e sua falsa democratização, por isso não nos alongaremos aqui.

A RECC defende a universalização da universidade pública de qualidade e luta frontalmente contra as reformas do governo, entendidas como reestruturação do ensino superior para o capital e não para os trabalhadores e estudantes. Por isso lembramos a necessidade dos estudantes reivindicarem junto ao povo/trabalhadores o fim do vestibular/enembular e pelo acesso livre, entendo a possibilidade disso se houver luta por mais verbas, reformulações no ensino superior etc. Lembrando também que não conseguiremos isso sem luta: a luta por ‘vagas para quem quer estudar’, juntamente com o controle democrático das instituições de ensino que vise uma universidade popular, é uma luta contra o Estado e a burguesia, alcançada pela ação direta de massas, e nunca via eleições, disputas internas na universidade e Estado etc., que force as classes dominantes que abrirem mão de seu projeto de ensino superior.


La lucha (clasista) tiene un objetivo claro una Universidad gratuita y de libre acceso, donde los hijos de los trabajadores no encuentren barreras inaceptables como la selectividad o las tasas y multas por repetir.

Referências:

Acesso ao ensino superior público: realidade e alternativas, de José Marcelo Biagioni Baroni (2010)

A educação e a sociodicéia contemporânea, de Tarso de Miranda Pompeu Loureiro (2009)

http://unidadeestudantilclassista.blogspot.com/search/label/Fim%20do%20Vestibular

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